Em pronunciamento no plenário do Senado Federal na sessão desta terça-feira (26), a senadora Zenaide Maia (PSD-RN) criticou duramente a possível incidência de cortes em gastos orçamentários federais em despesas primárias de saúde e educação, áreas potencialmente afetadas no pacote de um novo ajuste fiscal previsto pelo governo federal.
A parlamentar também denunciou renúncias fiscais “bilionárias” a empresários, concedidas pelo país também a partir da participação do Congresso Nacional. Segundo ela, trata-se de medidas que causam desequilíbrio na arrecadação de impostos, tiram recursos do governo para investir em políticas públicas e penalizam a população mais carente. Zenaide também defendeu a taxação de lucros e dividendos.
“Cortar financiamento da saúde e da educação é permitir que pessoas morram de morte evitável, é tirar a vaga de alunos das creches e das escolas. O nosso Sistema Único de Saúde (SUS) atende 85% da população brasileira, é referência no mundo e não pode ser sacrificado para ceder a esse sistema financeiro que não tem limite, não tem visão humanística e civilizatória. É o lucro pelo lucro”, enfatizou Zenaide.
A senadora ainda alertou que a remuneração de sobras de caixa dos bancos faz o Tesouro Nacional dispensar “todos os dias neste país” R$ 1 trilhão de reais, montante de alta monta que falta e poderia ser aplicado em áreas como saúde, educação e segurança públicas. Para ela, a política econômica “imposta pelo sistema financeiro não pode tirar comida da boca das pessoas, remédio da boca dos doentes”.
Também conforme Zenaide, nenhum país se desenvolveu com a elevada desigualdade social manifestada na realidade brasileira, o que obriga o Parlamento a ajudar o Executivo a oferecer políticas públicas para quem não tem recursos básicos de sobrevivência. Ela defendeu que os poderes Legislativo e Judiciário também enxuguem gastos e contribuam com o sacrifício cobrado só sobre o Executivo.
“Renúncias fiscais chegam a 7% do PIB do Brasil. Cortar os já poucos investimentos que se tem nas áreas primárias é matar de vez qualquer projeto de desenvolvimento social. É claro que o Governo, com dificuldade financeira, queira diminuir seus gastos, mas os juros escandalosos que o Estado brasileiro paga aos bancos que corroem o orçamento, ninguém corta, eles são os intocáveis”, ressaltou a parlamentar.
Confira o discurso na íntegra:
Senhor presidente, colegas senadores e todos que estão nos assistindo, eu quero aqui falar que se tem muito debatido neste país sobre o corte de gastos públicos, mas há algo grave aí que está escapando aos olhos da maioria dos agentes públicos deste país: não se pode cortar orçamento público dos chamados gastos primários, gente, que são exatamente o dinheiro público destinado para a saúde, a educação, a segurança pública e a infraestrutura.
Cortar financiamento da saúde é permitir que pessoas morram de morte evitável, é tirar a vaga de alunos das creches e das escolas. O nosso Sistema Único de Saúde (SUS) atende 85% da população brasileira, é referência no mundo e não pode ser sacrificado para ceder a esse sistema financeiro que não tem limite, não tem visão humanística e civilizatória. É o lucro pelo lucro. É muito fácil, como já foi feito nas reformas da previdência e na trabalhista, cortar na carne dos mais pobres e manter os privilégios de uma minoria intocada. Gasto primário nem deveria ter essa nomenclatura, deveria ser chamado de investimento obrigatório e financiamento obrigatório.
Aqui, não estamos defendendo irresponsabilidade fiscal, até porque responsabilidade fiscal é responsabilidade dos três Poderes, não só do Executivo, mas dos três: do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Não é só do Executivo que tem que cortar. Eu citarei aqui o exemplo das renúncias fiscais bilionárias para grandes empresários que são feitas aqui neste Congresso. Sabe quanto é a renúncia fiscal deste país? São de 7% do PIB nacional as renúncias fiscais feitas para grandes empresas, inclusive bancos.
Este país não está falido. O grande problema é que, por exemplo, ninguém mexe nesse sistema financeiro, taxação de lucros e dividendos, o que todos os países da OCDE fazem. Alguém tem que pagar imposto para poder ter recursos para a educação. Quando não se investe em educação, o crime vai cooptar nossas crianças e jovens, porque não tem uma educação pública de qualidade em tempo integral.
O que acontece neste país e que a população não toma conhecimento? O Brasil é o único país no mundo que tem uma tal de remuneração de sobras de caixa dos bancos. Chegou 16h e não se emprestou, o Tesouro Nacional pega esse dinheiro e paga ao sistema financeiro, no mínimo, a taxa Selic. Sabe quanto o Tesouro dispensa todos os dias neste país? Um trilhão de reais, que está faltando na saúde, na educação e na segurança pública deste país.
O que chama atenção é o seguinte, aqui ninguém vai dizer: “a Senadora Zenaide está dizendo que o Governo tem que gastar mais do que arrecada”. Quero dizer que nós temos que arrecadar, e só arrecada se for o Legislativo também. Renúncias fiscais chegarem a 7% do PIB é assustador para este país. Então, nós vamos para onde? Para agradar esse mercado financeiro, a gente não pode tirar o poder do Executivo, os instrumentos de receita de que ele dispõe para cumprir a Constituição, que é reduzir as desigualdades sociais deste país.
Até quem não vê esse lado humano tem que ver que nenhum país do mundo se desenvolveu com tanta desigualdade social como este país tem. Então, nós temos que oferecer políticas públicas para quem não tem recurso para se defender, para quem não tem salário para pagar escola e um plano de saúde. A política econômica imposta pelo sistema financeiro ou o mercado financeiro não pode asfixiar a população brasileira, não pode tirar a única ajuda do Estado aos mais carentes, não pode tirar comida da boca das pessoas, remédio da boca dos doentes deste país.
Eu fui Secretária Municipal de Saúde e vi de perto o que é a necessidade desse povo lá no município. Cortar os já poucos investimentos que se tem nas áreas primárias é matar de vez qualquer projeto de desenvolvimento social. É claro que o Governo, com dificuldade financeira, quer diminuir seus gastos, mas os juros escandalosos que o Estado brasileiro paga aos bancos e que corroem o orçamento ninguém corta. Eles são os intocáveis! Ninguém quer discutir, vão direto para cima dos gastos primários: saúde, educação, segurança pública e assistência social.
A tesoura só é metida nesses gastos primários, nas políticas públicas de saúde e de transferência de renda, que não tem. De quem será a culpa de gente morrendo de morte evitável por falta de recurso na saúde primária? No nosso mais importante SUS, essa pérola que salvou gente, que salva todo dia e que é subfinanciado.
A saúde pública já esteve na UTI em anos recentes e estamos ainda recuperando os estragos. Eu estou na Comissão de Orçamento, e a gente senta e quem fica com quase 50% do orçamento? Bancos, juros e serviços de uma dívida que nenhum governo auditou, mesmo estando na Constituição. Essa bola de neve nunca foi auditada, como eu falei.
Eu queria dizer aqui, para finalizar, Sr. Presidente, que eram essas as reflexões para vocês que estão aí me assistindo. Educação não é gasto, é investimento. Nenhum país cresceu no mundo sem investimento numa educação pública de qualidade. Saúde não é gasto, é investimento em salvar vidas! Eu faço sempre essa pergunta a psicólogos: “o luto de uma mãe que perdeu o seu filho, mas que teve o direito a tudo o que a ciência oferece, o luto dessa mãe é diferente daquela mãe que a gente vê todo dia – ou daquele pai ou daquela avó – que sabe que, se tivesse recurso para ter um leito de UTI, seu filho não teria morrido”.
Então, nós temos que ter esse olhar diferenciado. Não é possível que a gente vá tirar recurso da saúde, da assistência social e da segurança pública deste país! Fala-se aqui muito em segurança pública, mas ninguém faz segurança pública, nem saúde sem recurso. O Orçamento fica metade com os banqueiros – com o sistema financeiro ou o mercado financeiro -, e os Parlamentares, no Congresso, passam o ano discutindo… Aquelas pessoas que ficam com a metade do Orçamento nem sentam na mesa, e a gente, ali, no fim: 4% para a saúde; 4% para a educação….
Pasmem, gente: menos de 0,5% para a segurança pública deste país, o que, depois da saúde, é o que mais a população brasileira cobra!
Dessas reflexões o povo brasileiro tem que tomar conhecimento. Não podemos fazer esse ajuste fiscal, porque às vezes eu acredito que não vou conseguir me levantar dessa cadeira, de tão ajustados que nós já estamos!
Uma condenação do serviço público! Eu queria dizer ao povo brasileiro que o serviço público é quem faz educação, é quem faz saúde, é quem faz segurança pública para todos. Agora, é claro, 15% da população tem plano de saúde. Mesmo assim, são os 85%, porque o que eu pago de plano de saúde – a Senadora aqui e todos os Senadores e Parlamentares – para dar uma saúde de primeiro mundo para a minha família. Eu deduzo do Imposto de Renda – só um minutinho -, esse Imposto de Renda iria para o SUS, para salvar vidas de 85% da população.
Muito obrigada.”